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domingo, 18 de abril de 2021

ARTIGO: Novo governo, estratégia antiga? A dissuasão estendida no Indo-Pacífico

Este conteúdo foi publicado originalmente no Opeu (Observatório Político dos EUA)

por Augusto W. M. Teixeira Júnior, professor da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e Marco Túlio Souto Maior Duarte, mestrando do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da UFPB

Findados os quatro anos da administração Trump, marcada por uma guinada jacksoniana na condução de sua Grande Estratégia, os Estados Unidos, sob a gestão Biden, sinalizam uma revisão de sua postura e estratégia global. Dentre todas as regiões do mundo, o Indo-Pacífico se notabiliza como fulcral para os destinos do redesenho da ordem global, com implicações diretas e importantes na condição dos Estados Unidos como potência hegemônica. Nesse contexto, a dissuasão tem lugar de destaque entre aspectos impactados pela mudança do ambiente estratégico.

Sendo ela uma estratégia de tipo coercitivo, mediante ameaça crível do uso da força, a dissuasão objetiva desencorajar atos de agressão de um ator contra o outro. Esse efeito estratégico pode transcender as fronteiras do dissuasor, ao buscar a dissuasão em proveito de terceiros países, como aliados e parceiros regionais. Essa segunda modalidade é conhecida pela literatura como “dissuasão estendida”.

Refletindo o contexto de acirramento da competição geopolítica entre o país e seus near-peer competitors (especialmente China e Rússia), em 9 de março de 2021, em audiência para o United States Senate Committee on Armed Services, o almirante Philip S. Davidson proferiu uma frase que ilustra bem o desafio estratégico imposto aos EUA:

O presidente dos EUA, Joe Biden, em conferência na Universidade de Iowa, em janeiro de 2020 (Foto: Divulgação/Gage Skidmore)

“O maior perigo para os Estados Unidos nesta competição é a erosão da dissuasão convencional. Uma postura dissuasória convencional e crível é necessária para prevenir conflitos, proteger os interesses nacionais e dar segurança aos nossos aliados e parceiros. Na ausência de uma dissuasão convincente, a República Popular da China (RPC) será encorajada a tomar medidas para minar as regras baseadas na ordem internacional e os valores representados na nossa visão para um Indo-Pacífico livre e aberto”.

A afirmação acima nos inclina a refletir sobre três fatores: a dissuasão na Grande Estratégia e na estratégia militar dos EUA, a geopolítica de suas alianças e alinhamentos e o entendimento sobre como a potência estadunidense percebe essa competição no contexto da erosão de sua superioridade militar e tecnológica.

Dissuasão estendida em xeque

Nas últimas duas décadas, a preocupação do governo dos EUA com a Ásia-Pacífico tem sido uma constante. Entretanto, o engajamento de suas forças militares em outros teatros, como o Oriente Médio, contribuiu negativamente para a concretização de ações como o “Rebalance to Asia and the Pacific”. Ademais, as tentativas de conter a China por meio de seu engajamento foram infrutíferas, não logrando frear a expansão do poderio militar chinês e as ambições territoriais de Pequim.

Enquanto a administração Obama optou por priorizar instrumentos de poder econômico e político para conter o redesenho chinês da ordem regional na Ásia-Pacífico, o governo Trump apostou na fungibilidade do poder militar e em sua capacidade de alavancar negociações, a exemplo da prática de diplomacia coercitiva. Como aponta David Cooper, as estratégias de Obama e Trump tiveram como efeito erodir a credibilidade da dissuasão estendida aos aliados americanos no Indo-Pacífico.

No âmbito da geoestratégia dos EUA, parceiros regionais como Japão, Coreia do Sul e Taiwan são fundamentais para operacionalizar estratégias de contenção. Estas, desenvolvidas nos Estados Unidos a partir da influência de geopolíticos e diplomatas, como Nicholas J. Spykman e George F. Kennan, respectivamente, retomam espaço de centralidade na Grande Estratégia da potência para o Indo-Pacífico. Parafraseando para o contexto asiático a interpretação de Halford Mackinder sobre a Midland Ocean, Japão e Taiwan constituem dois porta-aviões inafundáveis, enquanto a Coreia do Sul representaria uma cabeça de ponte fixa direcionada para a China, tendo na Coreia do Norte o Estado-tampão por excelência. No Índico, o cortejo dos EUA à Índia possibilita pressionar Pequim em duas frentes, continental e marítima, costurando assim um cerco estratégico multidimensional (econômico, diplomático, militar etc.).

Somado ao posicionamento e a sua relevância geopolítica, a postura dissuasória busca concretizar efeitos práticos na região. No campo nuclear, a promessa do cobertor nuclear de Washington objetiva dissuadir agressões contra seus aliados, ao passo que retira destes a necessidade de se engajarem na proliferação nuclear. No campo convencional, a presença militar massiva dos EUA visa a complementar o efeito dissuasório das armas de destruição em massa. Ambos os pilares dessa postura no Indo-Pacífico foram, no entanto, severamente afetados na última década por 1) revisão da estratégia de contenção à China (Administração Obama) e 2) adoção de postura unilateral e revisão da prioridade das alianças e alinhamentos na Europa e Ásia (Administração Trump).

Os presidentes da China, Xi Jinping, e dos EUA, Donald Trump, em encontro em Beijing em 2017 (Foto: Casa Branca)

Estratégia de Biden

Diante desses eventos, outros dois fatores se somam na configuração do ambiente geopolítico que confronta a gestão Biden. O primeiro seria o reconhecimento da erosão da dianteira tecnológica e da superioridade militar dos EUA. Tanto Obama como Trump buscaram mitigar esse efeito, por meio da Third Offset Strategy e de investimentos substantivos em modernização militar, respectivamente. O segundo ponto diz respeito à contenção da China: a despeito das iniciativas anteriores para operacionalizar alguma forma de contenção contra o gigante asiático, esse objetivo não parece ter obtido sucesso. Tais fatores reverberam negativamente na expectativa de dissuasão estendida exatamente em dois pilares para que a dissuasão funcione: credibilidade e capacidade.

Nesse sentido, os recentes movimentos da administração Biden apontam para a busca de se restaurar a posição dos EUA como principal provedor de segurança para seus aliados, alicerçado em compromisso político e em capacidades militares para apoiar esse objetivo. Dois exemplos ilustram bem esse intento. Ao autorizar exercícios militares no Mar do Sul da China, a escolha dos meios denota compromisso. Acompanhados de seus respectivos grupos de batalha, os navios-aeródromo “Theodore Roosevelt” e “Nimitz”, sinalizam não apenas a relevância e a mensagem para Pequim, também mobilizam meios tradicionais de projeção de poder em uma área de interesse estratégico para a China.

Na última semana, seguindo o pilar de credibilidade, o presidente Biden reuniu a aliança informal de países do Indo-Pacífico, o Quad. Dialogando com Índia, Coreia do Sul e Japão, a administração atual transparece um renovado compromisso de trazer os Estados Unidos de volta ao jogo geopolítico na região. Embora o governo Biden tenha sido recém-inaugurado, espectadores atentos podem estar começando a assistir à retomada de uma postura estratégica mais próxima daquela da época do embate multidimensional contra a União Soviética — ainda que em um contexto marcado pela busca de manutenção de sua primazia. E, nesse jogo, a distribuição de poder global desempenha papel fundamental para os objetivos de longo prazo dos EUA.

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