Este conteúdo foi publicado originalmente pelo Blog do FMI (Fundo Monetário Internacional)
por Philipp Engler, Roberto Piazza e Galen Sher, economistas da Divisão de Supervisão Multilateral do Departamento de Estudos do FMI
A rápida distribuição das vacinas nos Estados Unidos e a aprovação de um pacote de estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão impulsionaram a recuperação já prevista da economia norte-americana. Com a expectativa desses desdobramentos, os juros de longo prazo nos EUA subiram rapidamente, e a taxa dos títulos do Tesouro de 10 anos passou de menos de 1% no início do ano para mais de 1,75% em meados de março. Um aumento semelhante ocorreu no Reino Unido. Em janeiro e fevereiro, os juros também subiram um pouco na área do euro e no Japão, antes de os respectivos bancos centrais adotarem uma política monetária mais acomodatícia.
As economias de mercados emergentes e em desenvolvimento observam esse aumento dos juros com certa ansiedade. A maioria delas está enfrentando uma recuperação econômica mais lenta que a das economias avançadas devido a uma espera mais longa pelas vacinas e ao espaço limitado para aplicar seu próprio estímulo fiscal. Agora, há sinais de retração da entrada de capital nos mercados emergentes. O medo é de uma repetição do chamado taper tantrum, de 2013, quando os indícios de uma redução mais rápida do que o previsto das compras de títulos dos EUA causaram uma saída súbita de capital dos mercados emergentes.
Esse temor se justifica? Nossa análise na nova edição do World Economic Outlook mostra que, no caso dos mercados emergentes, o importante é o motivo para a subida dos juros nos EUA.
Causa e efeito
Quando o motivo são boas notícias sobre empregos nos EUA ou sobre as vacinas contra a Covid-19, a maioria dos mercados emergentes tende a ver uma entrada maior de investimentos de carteira e uma queda dos spreads sobre a dívida denominada em dólares. Boas notícias econômicas nas economias avançadas poderiam levar ao crescimento das exportações dos mercados emergentes, e a retomada da atividade econômica naturalmente tende a elevar os juros internos. O impacto geral é benigno para uma economia típica de mercados emergentes. Contudo, os países que exportam menos para os Estados Unidos, mas ainda dependem mais de empréstimos externos, poderiam sentir a pressão nos mercados financeiros.
Quando as notícias sobre a alta da inflação nos Estados Unidos pressionam os juros nos EUA para cima, isso também tende a ser benigno para os mercados emergentes. A tendência é que os juros, as taxas de câmbio e os fluxos de capital nesses mercados não sejam afetados, provavelmente porque as surpresas anteriores em termos de inflação refletiram uma mistura de boas notícias sobre a economia, como o aumento da disposição para gastar, e más notícias, como a alta dos custos de produção.
No entanto, quando um aumento dos juros nas economias avançadas é impulsionado pela expectativa de medidas mais restritivas dos bancos centrais, isso pode prejudicar as economias de mercados emergentes. Nosso estudo captura essas “surpresas da política monetária” na forma de elevações dos juros em dias de anúncios regulares do FOMC (Federal Open Market Committee) ou do Conselho do Banco Central Europeu. Constatamos que cada ponto percentual de aumento dos juros nos EUA devido a uma “surpresa da política monetária” tende imediatamente a elevar os juros de longo prazo em um terço de um ponto percentual na economia de mercado emergente típica, ou dois terços de um ponto percentual em uma economia com rating mais baixo, de grau especulativo.
Mantidas as demais condições, os mercados emergentes sofrem uma saída imediata de investimentos de carteira e a desvalorização de suas moedas em relação ao dólar. Uma diferença importante quanto à elevação dos juros motivada por boas notícias da economia é que o prêmio de prazo — a compensação pelos riscos de manter uma dívida de prazo mais longo — sobe nos Estados Unidos com surpresas na forma de uma política monetária mais restritiva e, com isso, sobem também os spreads sobre as dívidas de mercados emergentes denominadas em dólares.
A boa notícia
Na realidade, uma mistura desses motivos está elevando os juros nos EUA. Até agora, as “boas notícias” sobre as perspectivas econômicas têm sido o principal fator. As expectativas para a atividade econômica em alguns mercados emergentes melhoraram entre janeiro e março, o que pode estar elevando parcialmente os juros nessas economias e pode ajudar a explicar o aumento súbito dos fluxos de capital em janeiro. A elevação subsequente dos juros nos EUA tem sido de modo geral ordenada, com os mercados funcionando bem. Mesmo com o aumento dos juros de longo prazo, os juros de curto prazo nos EUA permaneceram próximos a zero. Os preços das ações continuam altos, e os juros dos títulos privados e dos títulos de mercados emergentes denominados em dólares não divergiram daqueles dos títulos do Tesouro norte-americano.
Além disso, as expectativas de mercado para a inflação parecem estar contidas próximas da meta de longo prazo do Federal Reserve, de 2% ao ano; se permanecerem nesse patamar, isso poderia ajudar a conter o aumento dos juros nos EUA. Parte da alta desses juros decorre da normalização das expectativas dos investidores quanto à inflação norte-americana.
Avance com cuidado
Contudo, outros fatores também parecem estar em jogo. Grande parte da elevação dos juros nos EUA se deve a um aumento do prêmio de prazo, que poderia refletir a crescente incerteza dos investidores sobre a inflação e o ritmo da emissão futura de dívida e da compra de títulos pelo banco central. As saídas de capital dos mercados emergentes em fevereiro e início de março se transformaram em entradas na terceira semana de março, mas, desde então, os movimentos têm sido voláteis. Também não está claro se o grande volume de títulos do Tesouro que os Estados Unidos devem emitir neste ano poderá prejudicar a contração de empréstimos por alguns mercados emergentes.
Portanto, a situação é frágil. Os juros nas economias avançadas ainda estão baixos e podem subir ainda mais. O sentimento dos investidores com respeito às economias de mercados emergentes pode se deteriorar. Para evitar esse desfecho, os bancos centrais das economias avançadas podem ajudar emitindo comunicações claras e transparentes sobre a política monetária futura em diferentes cenários. Um bom exemplo é a orientação do Federal Reserve sobre as precondições para uma elevação das taxas de juros de referência . À medida que a recuperação prossiga, mais orientação sobre possíveis cenários futuros será útil, dado que o novo quadro de política monetária do Fed não foi testado e os participantes do mercado estão incertos sobre o ritmo das compras de ativos no futuro.
Os mercados emergentes só conseguirão continuar a implementar políticas de apoio se a inflação interna estiver estável. Por exemplo, os bancos centrais na Turquia, Rússia e Brasil elevaram os juros em março para controlar a inflação, enquanto os do México, Filipinas e Tailândia mantiveram os juros em compasso de espera.
O ideal é que as economias de mercados emergentes e em desenvolvimento busquem compensar a elevação de alguns dos juros globais adotando uma política monetária mais acomodatícia. Para isso, precisam de alguma autonomia em relação às condições financeiras mundiais. A boa notícia é que muitos bancos centrais de mercados emergentes conseguiram flexibilizar a política monetária durante a pandemia, mesmo em face da fuga de capitais. Nossa análise indica que economias com bancos centrais mais transparentes, mais decisões fiscais baseadas em regras e classificações de crédito melhores conseguiram cortar mais as taxas de juros de referência durante a crise.
Considerando a tolerância a risco ainda alta nos mercados financeiros mundiais e a possibilidade de maior diferenciação dos mercados no futuro, agora é um bom momento para as economias de mercados emergentes estenderem os prazos de vencimento da dívida, limitarem os descasamentos de moedas nos balanços e, de modo mais geral, tomarem medidas para aumentar a resiliência financeira .
É também o momento de fortalecer a rede mundial de proteção financeira — o sistema de mecanismos como linhas de swap e financiadores multilaterais que podem oferecer moeda estrangeira aos países necessitados. A comunidade internacional precisa estar pronta para ajudar os países em cenários extremos. As linhas de financiamento preventivas do FMI podem aumentar ainda mais as defesas dos países membros contra a volatilidade financeira, e uma nova alocação de direitos especiais de saque do FMI também seria útil.
Este blog baseia-se em estudos de Ananta Dua, Philipp Engler, Chanpheng Fizzarotti e Galen Sher, sob a liderança de Roberto Piazza e a supervisão de Oya Celasun.
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