Ativa desde 1995, a OMC (Organização Mundial do Comércio) voltou aos holofotes. O órgão multilateral das Nações Unidas ficou paralisado após as acusações dos ex-presidente dos EUA Donald Trump de supostas vantagens à China e sobreviveu a 2020 sob duras penas, quando tornou-se alvo intenso de reivindicações por reforma.
Responsável pela arbitragem do comércio internacional, a OMC reúne 164 nações e serve como árbitro, monitor de acordos e palco de negociações. Com sua virtual estagnação nos últimos anos, muitos países passaram a buscar acordos comerciais bilaterais ou plurilaterais.
Críticos apontam que a organização fracassou em sua agenda de desenvolvimento ao não conseguir encontrar uma solução às divergências sobre questões que vão de subsídios agrícolas a direitos de propriedade intelectual.
Com a paralisação econômica gerada pela crise da Covid-19, o órgão permaneceu quase inerte em meio à incerteza sobre o futuro das cadeias de abastecimento globais.
Ainda assim, a OMC segue na ativa. Em fevereiro, a economista e ex-ministra das Finanças da Nigéria Ngozi Okonjo-Iweala foi escolhida por unanimidade para chefiar o órgão após a saída do brasileiro Roberto Azevêdo, que deixou o cargo em agosto de 2020, um ano antes do final previsto do mandato.
Apesar de contraditória, a hipótese de reforma da OMC já é discutida entre os membros mais ativos. Até que isso aconteça, porém, compreenda como o principal órgão comercial do mundo opera.
Como funciona a OMC
Em 1995, 123 países concordaram em criar a OMC, que sucedeu o GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio), fundado em 1948. Suas regras deram início a um sistema moderno de comércio multilateral – um acordo alcançado via consenso, assim como a grande maioria de suas resoluções seguintes.
De lá para cá, todas as regras da OMC passaram a ser aplicadas por membros individuais capazes de impor sanções comerciais retaliatórias aos Estados violadores. Não demorou para que o mecanismo se popularizasse e as nações passassem a evitar respostas unilaterais em potenciais guerras comerciais.
Desde 1995, foram cerca de 500 disputas – todas resolvidas em acordos antes de avançar para litígio formal. Os países devem estar cientes do caráter de busca por consensos da organização por meio do mecanismo de solução de controvérsias, antes mesmo de ingressar no órgão.
Ainda assim, quando os membros registram reclamações contra outros, os países devem antes tentar resolver o impasse via consultas. Se falhar, um painel escolhido pelo Órgão de Solução de Controvérsias da OMC ouve o caso. Já o sistema de apelações, porém, foi empurrado à beira da ruptura após anos de pressão dos EUA para desativá-lo, como parte de uma orientação de política externa de não colaborar com órgãos independentes da influência de Washington.
Os EUA, participante mais ativo do sistema com 124 reclamações e réu em 156 processos, já sofria críticas ainda no governo de Barack Obama quando, em maio de 2016, bloqueou a renomeação de uma sul-coreana ao Órgão de Apelação. Trump repetiu a ação em 2019, o que impede o setor de ouvir recursos. O bloqueio segue com Joe Biden, que alega ajustes de transição presidencial.
Desgaste
Os EUA se dizem insatisfeitos pelo fato de que o Órgão de Apelação pode estabelecer precedentes legalmente vinculantes por meio das decisões – uma forma de “infringir a soberania” norte-americana, argumentam os críticos.
A China é um alvo em particular. Washington desafia práticas do governo chinês como apoio às indústrias domésticas, restrições a importações, abuso de propriedade intelectual e outras políticas comerciais. Entre 2009 e 2017, os EUA levaram 25 casos à OMC – 16 visando Beijing. O órgão decidiu pela vitória em sete deles.
No governo de Trump, porém, o presidente denunciou as práticas chinesas e lançou um relatório contestando a capacidade da OMC em lidar com eles. A partir daí, Washington lançou as próprias tarifas e sanções para retaliar Beijing – o início de uma intensa disputa que transbordou para os campos ideológico, tecnológico e financeiro.
Agenda de Desenvolvimento de Doha
Trump não afetou somente o funcionamento da OMC e as relações com a China, mas também a Agenda de Desenvolvimento de Doha, estipulada em 2001 para dar prioridade aos países de baixa e média renda.
A medida iria agilizar procedimentos alfandegários, além de facilitar e baratear o comércio global. Até 2015, o objetivo era que as transações internacionais poderiam aumentar em até US$ 1 trilhão. O projeto teve um importante avanço em 2013, após o TFA (Acordo de Facilitação de Comércio) – o primeiro acordo multilateral desde a criação do órgão.
Dois anos depois, contudo, na reunião ministerial de Buenos Aires, na Argentina, o acordo não foi para a frente. A Índia bloqueou uma tentativa de reduzir os subsídios à pesca, influenciada por Trump, e os membros caracterizaram o encontro como um “fracasso”.
As negociações continuaram pelas bases do multilateralismo, em subconjuntos de membros da OMC – modelo simplificado, mas que não carregava o peso de uma discussão robusta entre os 164 países.
A OMC também já foi alvo de críticas em diferentes grupos sociais. De um lado, agricultores e grupos trabalhistas acusam o órgão de se concentrar demais nos interesses corporativos. De outro, ambientalistas alertam para a desregulamentação, enquanto legisladores – sobretudo dos EUA – alegam que a instituição falhou em lidar com o que classificam como abusos chineses.
Questões como propriedade intelectual, soberania e regulação, competição e importação permanecem no topo da lista de itens a rever em uma provável e iminente reforma da OMC, defendida por Okonjo-Iweala. “Sinto que posso resolver os problemas. Eu sou conhecida por ser reformista”, disse a líder nigeriana pouco depois de ser eleita.
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