Este conteúdo foi publicado originalmente no NEAI (Núcleo de Estudos e Análises Internacionais) da Unesp (Universidade Estadual Paulista)
por André Leite Araújo
Fundado em 1991, o Mercosul passou por uma série de ampliações ao longo de sua história, até integrar todos os países sul-americanos. A inclusão de novos membros se dá em duas categorias: Estados-parte e Estados-associados. Em primeiro lugar, os Estados-associados usufruem de direitos parciais no bloco, integrando a área de livre-comércio e de livre-circulação de pessoas, mas não compondo a Tarifa Externa Comum, nem decidindo outras diretrizes fundamentais para o arranjo regional.
Atualmente, os associados são: Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname. Já os Estados-parte são membros plenos do mercado comum. Além dos quatro fundadores – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai –, dois Estados-associados solicitaram a adesão, Bolívia e Venezuela. Ainda que a entrada da Venezuela já tenha sido concluída, a incorporação boliviana ainda carece da ratificação em Brasília para entrar em vigor.
Cabe salientar que a aceitação de Estados-associados é uma decisão dos órgãos executivos, sem necessidade de ratificação doméstica. Portanto, é reflexo das negociações entre as presidências e ministérios dos membros. Certamente, a celebração de tais acordos reflete interesses internos – particularmente os econômicos, que pressionam as diversas instâncias do Poder Executivo para influenciar os rumos da política internacional.
Isso posto, há uma diferença em relação à adesão dos Estados-parte, pois os Protocolos de Adesão – tratados que regulam os procedimentos e os prazos para a incorporação de cada novo membro – tramitam nos parlamentos nacionais de cada membro pleno, para serem finalmente ratificados. Isso é compreensível na medida em que são episódios raros – houve apenas dois em quase 30 anos de história – e que produzem grande impacto, pois trazem um outro país com poder decisório e poder de veto. Afinal, as decisões no Mercosul são tomadas por consenso, sem peso distinto para cada membro.
A entrada de Caracas no Mercosul foi assinada em 2006 e concluída em 2013. Um ano antes, havia sido firmada a integração de La Paz, que foi questionada por Assunção. Em 2015, um novo Protocolo foi assinado e ainda está em fase de ratificação. Portanto, a Bolívia está em processo de adesão – categoria intermediária entre Estado-associado e Estado-parte. Ainda que os protocolos sejam aprovados por diversos congressos, aqui examinamos o caso paraguaio, porque teve variações em relação aos demais países.
O Protocolo de Caracas foi submetido quatro vezes ao Congresso do Paraguai – algo que não ocorreu em nenhum outro caso. Na primeira tentativa, foi enviado em julho de 2007 e foi retirado pelo Executivo em agosto de 2009. Portanto, um ano após sua assinatura, o presidente Nicanor Duarte Frutos (ANR-PC) encaminhou o ato internacional que teve poucos avanços na esfera legislativa. Houve uma nova eleição, com renovação do Parlamento e eleição de um novo presidente, Fernando Lugo (FG), que percebeu o risco de rejeição e decidiu encaminhá-lo em outro momento.
O segundo processo foi iniciado em novembro de 2010 e, novamente, retirado pelo Executivo em dezembro do mesmo ano. Sendo assim, com a mesma composição partidária, o presidente Lugo tentou aprovar Caracas, mas não detinha o apoio necessário. Convém salientar que, naquele momento, todos os demais parlamentos já haviam internalizado o Protocolo. Desse modo, o Poder Legislativo paraguaio se tornou o ponto de veto que impediu a concretização do projeto de alargamento do Mercosul.
Em 2012, Lugo foi destituído do cargo em um processo de impeachment. Logo, o vice-presidente Federico Franco (PLRA) assumiu o comando do país guarani. Os demais presidentes do Mercosul não reconheceram o impeachment como um processo democrático e suspenderam Assunção do bloco, no âmbito do Protocolo de Ushuaia.
Com a suspensão, a aprovação paraguaia já não era mais necessária, e a Venezuela poderia aderir ao Mercosul. Entretanto, partidos como ANR-PC, PLRA e UNACE questionaram a validade jurídica dessa manobra e decidiram rejeitar o Protocolo de Adesão para invalidar a entrada de Caracas. Assim, pela terceira vez, o Protocolo esteve no Congresso, de julho a agosto de 2012. O processo foi concluído, com a rejeição. Contudo, essa medida não foi reconhecida pelo Mercosul, que manteve a Venezuela.
No ano seguinte, quando são celebradas novas eleições, e Assunção retorna ao Mercosul, o reconhecimento de Caracas como membro é uma questão a ser resolvida. Por fim, o presidente Horacio Cartes (ANR-PC) decide pela quarta e definitiva deliberação congressual a respeito da adesão, em dezembro de 2013, com resultado positivo para legitimar o alargamento. Dessa forma, percebe-se como dinâmicas internacionais e regionais influenciam os processos decisórios internos. Contudo, o nível doméstico também afeta a política internacional, na medida em que interesses locais e o jogo partidário impediram a aprovação do Protocolo e a consolidação do alargamento mercosulino.
Conforme os dois gráficos abaixo, podemos verificar como os senadores, divididos por partidos políticos, votaram a incorporação da Venezuela. A composição é razoavelmente similar, apesar da eleição legislativa de 2013, mas se nota um comportamento distinto. Particularmente, destaca-se a ANR-PC, partido de direita que se consolidou no poder desde a década de 1940, votando em direções contrárias em cada uma das sessões.
Sucintamente, a explicação se dá pelas condições políticas domésticas, mas também pelo contexto regional. Em 2012, os colorados eram oposição a Franco, mas também eram contra a Venezuela. Em 2013, retornam ao governo e apoiam a decisão do presidente de incluir o mencionado país, para que o Paraguai não ficasse internacionalmente isolado.
Durante o período de suspensão, foi celebrado o Protocolo de Adesão da Bolívia ao Mercosul, sem a assinatura do então presidente paraguaio Franco, que não era reconhecido pelos pares. Levantando-se a sanção, o Paraguai não aceitou esse Protocolo e se decidiu assinar um novo instrumento, em 2015, de igual teor, mas com a assinatura do presidente Cartes. Entre julho de 2015 e maio de 2016, os deputados e senadores paraguaios deliberaram e aprovaram esse segundo alargamento.
O processo foi menos polêmico e politizado que o anterior da Venezuela, atenuando tensões conflitivas. Isso pode ser visto no gráfico abaixo, que contabiliza as assinaturas dos pareceres nas comissões que analisaram o protocolo. Todos os legisladores se posicionaram a favor da aprovação – independentemente da ideologia partidária, ou da relação com o governo.
No caso da entrada boliviana, nota-se uma influência do contexto regional. Após os episódios em 2012 e 2013, houve uma percepção distinta do Mercosul de que o veto paraguaio poderia ser, de certo modo, vencido pelos demais, gerando prejuízos à sua inserção internacional. Dessa maneira, houve uma convergência de todos os partidos pelo processo sem grandes incidentes.
Frente ao exposto, percebe-se que o comportamento dos parlamentares a respeito do alargamento se deu pela posição partidária na clivagem governo-oposição e pelo modo como os partidos entendiam os modelos de política externa do Paraguai. Ainda que haja variações ao longo do tempo, podemos apontar duas estratégias de projeção. Uma que se distancia do Mercosul e busca relacionamento direto com países do Norte Global, enquanto outra percebe o Mercosul como uma plataforma de relacionamento externo, assim como oferece ganhos comerciais imediatos.
Tais divergências a respeito do bloco se refletiram em como enxergaram a ampliação do número de Estados-parte e quais seriam os novos membros. Por um lado, a Venezuela é geograficamente distante do Paraguai, enquanto a Bolívia possui uma interação histórica com o país vizinho. Além disso, as opiniões a respeito dos governos venezuelanos desde 1999 afetaram negativamente o que se esperaria de sua incorporação.
*O texto deriva da pesquisa de doutorado em andamento do autor.
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