A revista oficial do Estado islâmico (EI), intitulada Al-Naba, publicou um editorial no último dia 30 de dezembro no qual convocava seus seguidores a atacarem os cristãos durante as festas de final de ano, transformando as celebrações em um período de “funerais e tragédias“. As informações são do site Memri, especializado em ações de grupos jihadistas.
“Todos os anos, os cristãos infiéis marcam o que afirmam ser o aniversário de Deus, o Messias, e [celebram] isso preenchendo o mundo com barulho, promiscuidade, adultério e loucura. Nós perguntamos: Deus poderia ter sido criado? Ele poderia ter sido crucificado e morto? Este deus inventado pode ser celebrado com adultério e rituais satânicos?”, diz o texto.
O editorial afirma que o Cristianismo é politeísta e que a fé cristã é repleta de contradições e mentiras expostas pelo Alcorão, o livro sagrado do Islamismo. Também ataca os muçulmanos que aceitam o Natal e que até celebram a data, por estarem inseridos na cultura ocidental.
“Pessoas razoáveis que se consideram muçulmanas ousam participar das [celebrações] cristãs para saudar os cristãos em seus festivais politeístas!”, diz o texto. “[Mas] os maiores criminosos são os pregadores [muçulmanos] do mal que permitem isso, alguns dos quais até consideram isso desejável ou obrigatório, quando os estudiosos islâmicos concordam que é proibido e alguns até decidiram que quem quer que faça isso é um apóstata”.
A revista chega, então, à convocação à violência: “É dever dos muçulmanos tratar os cristãos como os cristãos tratam os muçulmanos. Assim como eles despedaçaram os muçulmanos com seus ataques e bombardeios, devemos nos esforçar para transformar os feriados cristãos em funerais e tragédias. Devemos combatê-los por todos os meios durante seus feriados e festivais, pois isso é mais doloroso para eles”.
Papai Noel decapitado
Pouco antes do Natal, uma imagem atribuída ao EI, postada em um fórum virtual, mostrava um terrorista encapuzado segurando uma faca ensanguentada e decapitando o Papai Noel, personagem tradicional do Natal cristão em muitos países do Ocidente.
Havia, ainda, outras imagens atribuídas a grupos extremistas islâmicos fazendo referências violentas ao Natal. Numa delas, o Hezbollah, do Líbano, reproduziu o que seria uma árvore de Nata formada por rifles e capacetes de militares norte-americanos. Em outra, uma caixa de presentes grafada com o ano de 2022 vinha acompanhada da mensagem “uma tempestade de mísseis será a surpresa de ano novo”.
“Com o advento das chamadas celebrações politeístas que os incrédulos estão experimentando hoje em dia, enviamos uma mensagem aos nossos irmãos monoteístas na Europa, América, Austrália, Canadá, Rússia e outros países de descrença e apostasia: dizemos a vocês , nossos irmãos monoteístas, vinguem seus irmãos e irmãs que foram mortos e capturados por esses canalhas”, dizia o texto que acompanha a imagem do EI. “Ataque os cidadãos de países da coalizão de cruzados com suas facas, atropele-os nas ruas, detone bombas sobre eles e pulverize-os com balas”.
Por que isso importa?
Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o Estado Islâmico (EI) e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas investem em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.
O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.
Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.
Assim, o principal reduto tanto do EI quanto da Al-Qaeda tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-Shabaab, ISWAP, EIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global dessas duas organizações, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.
No Brasil
Casos mostram que o Brasil é um porto seguro para extremistas. Em dezembro de 2013, levantamento do site The Brazil Business indicava a presença de ao menos sete organizações terroristas no Brasil: Al Qaeda, Jihad Media Battalion, Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica, Al-Gama’a Al-Islamiyya e Grupo Combatente Islâmico Marroquino.
Em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.
Em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio, a PF prendeu um grupo jihadista islâmico que planejava atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico foram presos e dois fugiram.
Mais recentemente, em dezembro de 2021, três cidadãos estrangeiros que vivem no Brasil foram adicionados à lista de sanções do Tesouro Norte-americano. Eles são acusados de contribuir para o financiamento da Al-Qaeda, tendo inclusive mantido contato com figuras importantes do grupo terrorista.
Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio do Tesouro causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas.
“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras). “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”. Saiba mais.
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