Inserido de última hora na programação do festival de cinema de Sundance, o documentário “Navalny”, do diretor canadense Daniel Roher, estreou na última terça-feira (25) e tem sido bastante elogiado pela crítica especializada. A produção, uma parceria entre CNN Films e HBO Max, investiga o atentado à vida de Alexei Navalny, principal opositor do governo Putin na Rússia, que foi envenenado em 2020, durante uma viagem à Sibéria, e preso assim que retornou à Rússia após se recuperar em Berlim, em janeiro de 2021.
Antes de ser anunciado como parte do festival, “Navalny” era conhecido apenas por um código: Untitled LP9 (Sem Título LP9, em tradução literal). O mistério foi desfeito somente durante um painel de discussão sobre a obra em Sundance, quando um dos produtores finalmente explicou o apelido, citando o agente acusado de envenenar Navalny. “A FSB (Agência de Segurança Federal da Rússia, da sigla em inglês) tinha um codinome para [Konstantin] Kudryavtsev: ‘Love Potion No. 9’. Então, esse se tornou nosso título falso”.
Navalny foi envenenado por Kudryavtsev com novichok, um agente tóxico criados nos tempos de União Soviética, e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em janeiro de 2021 e foi detido ainda no aeroporto. Atualmente, está preso em uma colônia penal de alta segurança, a IK-2, 100 quilômetros a leste de Moscou.
No filme, o chefe de gabinete de Navalny afirma que o novichok é o método de assassinato preferido de Putin, equivalente a “deixar sua assinatura na cena do crime”. Assim, não fica dúvida que a equipe dele atribui o atentado ao Kremlin, que por sua vez nega relação com o crime.
Segundo Adrian Horton, crítica de arte do jornal britânico The Guardian, as descobertas apresentadas no documentário são “chocantes”, ao passo que a produção “detalha de maneira convincente, estressante e fascinante o medo que o Kremlin tem de Navalny, sem dúvida a maior ameaça ao poder de Vladimir Putin em casa”.
Ainda de acordo com Horton, o oposicionista, carismático e afeito às câmeras, valoriza a produção e mostra por que se tornou uma figura popular. “Alto, bonito, ruivo, com um rosto expressivo de cão de caça, ele é um profissional em parecer ao mesmo tempo desarmante e indomável enquanto é filmado”, diz ela.
Tabitha Jackson, chefe do festival de Sundance, também não poupou elogios ao filme : “Quando vimos este filme no início do outono, todos imediatamente soubemos que o queríamos e esperaríamos: cinema fascinante no tempo presente, acesso incrível, jornalismo investigativo intrépido, um protagonista convincente falando a verdade ao poder… Tudo lindamente editado, dirigido e produzido em um thriller de não-ficção oportuno que lida com as mais altas apostas para a liberdade de expressão”, diz ela, segundo o site Deadline.
Um dos momentos mais marcantes do documentário registra o momento em que Navalny faz um telefonema a Kudryavtsev no qual se passa por um oficial da FSB e conduz uma “revisão interna”. O agente, enganado pelo interlocutor, descreve os detalhes da operação para envenenar o crítico do Kremlin.
Horton afirma, ainda, que o filme funciona tanto para aqueles que estão familiarizado com a história de Navalny quanto para os que não a conhecem. “Se você está chegando com uma lousa em branco, então ‘Navalny’ é um banquete de detalhes cada vez mais inacreditáveis e uma janela para um movimento contra um Estado de mentiras cada vez mais ousadas e humilhantes”.
Por que isso importa?
Navalny ganhou destaque ao organizar manifestações e concorrer a cargos públicos na Rússia. A principal plataforma do oposicionista é o combate à corrupção no governo de Vladimir Putin, em virtude da qual ele uma cobra profunda reforma na estrutura política do país.
Em agosto de 2020, durante viagem à Sibéria, Navalny foi envenenado e passou meses se recuperando em Berlim. Ele voltou a Moscou em 17 de janeiro de 2021 e foi detido ainda no aeroporto. Um mês depois, foi julgado e condenado a dois anos e meio de prisão por violar uma sentença suspensa de 2014, sob acusação de fraude. Promotores alegaram que ele não se apresentou regularmente à polícia em 2020, justamente quando estava em coma pela dose tóxica.
Encarcerado em uma colônia penal de alta segurança, ele chegou a fazer uma greve de fome de 23 dias em abril de 2021, para protestar contra a falta de atendimento médico. Depois, em junho, um tribunal russo proibiu os escritórios regionais de Navalny e sua fundação, a FBK, de funcionarem, classificando-as como “extremistas”.
Em agosto do ano passado, a Justiça russa abriu uma nova acusação criminal contra o oposicionista, o que poder ampliar a sentença de prisão dele em três anos. Ele foi acusado de “incentivar cidadãos a cometerem atos ilegais”, por meio da FBK que ele criou.
Já em setembro de 2021, uma terceira acusação, por “extremismo”, ameaça estender o encarceramento por até uma década, sendo mantido sob custódia no mínimo até o fim da próxima eleição presidencial, em 2024, quando chega ao fim o atual mandato de seis anos de Vladimir Putin no Kremlin. Em janeiro deste ano, ele foi incluído na lista de “terroristas e extremistas” do Serviço Federal de Monitoramento Financeiro da Rússia.
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