O ucraniano Sergei Filimonov vem decorando sua prateleira com prêmios de melhor ator. Mas é possível afirmar que ele ainda é mais conhecido como uma celebridade no selvagem cenário das brigas de rua na sua terra natal do que por seu elogiado desempenho na telona. Com a reputação de um típico violento líder de movimentos de extrema-direita na ex-república soviética, frequentemente envolvido em episódios de agressão contra minorias, especialmente a marginalizada comunidade cigana, Filimonov, outrora um temido neonazi, hoje é um astro em ascensão. Ou, por assim dizer, um influencer extremista. É o que conta reportagem da revista online Vice.
Filimonov é um hooligan bastante celebrado na cena neonazista ucraniana, tendo transitado de forma destacada por grupos extremistas de direita desde sua juventude – ele atualmente tem 27 anos. Nas redes sociais, o ex-arruaceiro gosta de exibir tanto suas tatuagens simbólicas (entre elas um coquetel molotov e referências nazistas) quanto armas de fogo automáticas. E toda essa chinfra de valentão e histórico de agressividade não interferiram na sua nova carreira artística. Pelo contrário. O talento nato para dar vida a tipos violentos é o que aparentemente rendeu a ele dois prêmios desde sua estreia no cinema no filme ‘Rhino‘ (sem tradução para o português), onde interpreta um gângster local.
Após a estreia do longa no 78º Festival Internacional de Cinema de Veneza em setembro de 2021, ele levou a estatueta de “Melhor Ator” no Batumi International Art-House Film Festival na Geórgia no mesmo mês. Dois meses depois, o ator ganhou o mesmo prêmio no Festival Internacional de Cinema de Estocolmo.
‘Rhino‘ narra uma história de redenção ambientada no submundo ucraniano da década de 1990, pós-era soviética, focada na vida de um jovem gângster. A obra também faturou o cobiçado “Cavalo de Bronze” em Estocolmo. Ou seja: a crítica se rendeu a Filimonov.
A trajetória do emergente ator teve início com a sua escolha em um casting disputado por centenas de ex-presidiários, ex-soldados e atletas. Com o filme em cartaz, o vasto currículo de agitação extremista pró-direita e violência hooligan convenceu o público e arrebatou os críticos.
“Que Filimonov esteja sendo reconhecido no espaço de entretenimento público e por meio de prêmios de prestígio sem nenhuma menção à sua associação histórica com violência e extremismo é perturbador e, francamente, irresponsável”, definiu Mollie Saltskog, analista sênior de inteligência da consultoria estratégica The Soufan Group.
Saltskog ainda manifestou preocupação com a forma como o hooligan pode influenciar outras pessoas. “Isso serve para tolerar quaisquer atos violentos que ele cometeu e a ideologia extremista que ele defende. E pode inspirar outros”.
O roteiro de ‘Rhino‘ está diretamente ligado a questões turbulentas do passado recente na Ucrânia. O diretor Oleh Sentsov teve a ideia do filme em 2012. Porém, o cineasta acabou preso ilegalmente pelas forças russas em 2014, após a anexação do território da Crimeia por Moscou. A acusação: terrorismo. Ele então acabou se tornando um ícone de resistência contra a Rússia. Sua liberdade só ocorreu em 2019, mesmo ano em que ele retomou o trabalho no filme.
Sentsov não queria um ator profissional para o papel principal. E foi assim que o nome de Filimonov ganhou força. No filme, ele interpreta o protagonista Rhino, um jovem que conhece “só força e crueldade” no vácuo de poder dos anos pós-reunificação e que ambiciona crescer no submundo. A trajetória do extremista não é muito diferente da de seu personagem: ele também chafurdou na ilegalidade, e sua vida foi igualmente moldada pela transição de poder no seu país.
O longa foi contemplado com centenas de milhares de euros de financiamento público, inclusive por meio do Eurimages, um fundo de apoio ao cinema do Conselho da Europa. As afiliações extremistas de Filimonov foram encobertas, com artigos que descreviam o protagonista apenas como “um ativista e ex-soldado”. Já uma matéria veiculada na principal publicação da indústria cinematográfica, o Hollywood Reporter, em sua edição de novembro, relatou a vitória de Filimonov em Estocolmo, sem fazer qualquer menção ao seu passado de militância na extrema-direita.
Currículo incendiário
Filimonov é um personagem importante da violenta cena hooligan na Ucrânia, onde é conhecido pelo apelido de “Filho de Perun” (Perun é o deus do raio e da tempestade na mitologia eslava). Ele foi um membro ativo da firma Rodichi (Os Parentes, em tradução literal), organização de torcedores ligada ao clube de futebol local Dynamo Kiev.
Filimonov é também líder de um grupo chamado “Honor” (honra, em tradução literal), que tem como símbolo um logotipo em estilo fascista de três punhais erguidos e cujos membros têm o nome da organização tatuado em seus corpos. Em 2019, ele e seus associados foram vistos em protestos pró-democracia em Hong Kong, ocasião em que ele justificou a presença do grupo devido à proposta de ativismo patriótico anticorrupção e a ideologia de “luta pela justiça e pela independência”.
Em vídeos nas redes sociais, membros do Honor atiram em cabeças de manequins e travam batalhas com a polícia. Outros neonazistas ucranianos também são conhecidos por integrarem o grupo. Entre eles Nazarii Kravchenko, ex-líder do Corpo Nacional, partido político de extrema-direita ucraniano, além de Ihor “Maliar” Potashenkov, envolvido em um ataque racista em 2015 que esfaqueou torcedores negros em um jogo da Liga dos Campeões na capital ucraniana entre Dynamo Kiev e Chelsea.
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