O envio de tropas pelo governo Rússia ao Cazaquistão, onde violentos protestos populares explodiram no início de 2022, pode ter sérias consequências para Moscou. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo jornal independente The Moscow Times.
O Kremlin determinou o envio inicial de 3 mil paraquedistas do exército russo, depois que o presidente Kassym-Jomart Tokayev solicitou ajuda a seu maior aliado com base no CSTO (Organização do Tratado de Segurança Coletiva, da sigla em inglês), uma aliança militar liderada por Moscou que engloba sete ex-Estados soviéticos e foi estabelecida em 2002.
“Por enquanto, esta é menos uma intervenção armada do que uma operação policial”, disse Andrei Kortunov, chefe do RIAC (Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia, da sigla em inglês), um think tank ligado ao Kremlin. “Mas, se continuar, as consequências para a Rússia podem aumentar”.
Os protestos começaram devido ao aumento no preço dos combustíveis. A população invadiu e queimou a sede da prefeitura de Almaty, capital econômica do país, e fechou o aeroporto internacional local. Indivíduos armados passaram a circular pelas ruas, entre os manifestantes. De acordo com o presidente, o apoio de seus aliados era necessário para conter o que chamou de “ameaça terrorista”.
Um confronto armado foi registrado em Almaty, entre unidades do exército e manifestantes. de acordo com a imprensa local, mais de uma dezena de agentes de polícia foram mortos, além de dezenas de manifestantes.
Além de Moscou, Armênia, Belarus, Quirguistão e Tadjiquistão também enviaram tropas ao Cazaquistão, potência regional com vastos recursos energéticos e membro fundador da União Econômica da Eurásia, bloco comercial regional liderado pela Rússia.
“Não acho que a Rússia teve outra escolha a não ser intervir. Dada a violência da agitação e a instabilidade da região, essa parece ser a única opção”, disse Kortunov. “Mas é importante que esta seja uma operação curta e limitada no tempo e que não sejamos sugados”.
No momento, o problema maior para o Kremlin é a necessidade de focar em duas frentes. Isso porque dezenas de milhares de soldados russos estão posicionados em regiões fronteiriças em meio ao crescente risco de uma invasão à Ucrânia. Ou mesmo de um ataque de Kiev, seja contra os separatistas apoiados por Moscou em Donbass, no leste ucraniano, ou na Crimeia anexada pela Rússia em 2014. Diplomaticamente, o país também está perto de esgotar sua munição nas negociações com a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliada de Kiev.
“Logo quando a Rússia parecia prestes a invadir a Ucrânia, protestos estouraram em todo o #Cazaquistão. Então, o Kremlin precisa dividir a atenção entre os dois e administrar a instabilidade estratégica em duas frentes”, disse em seu perfil no Twitter Alexander Baunov, Analista de política externa russo no think tank Carnegie Moscow Center.
THREAD 1/13 Just as Russia seemed to be poised to invade Ukraine, protests broke out all over #Kazakhstan, so the Kremlin needs to divide attention between the two and manage strategic instability on two fronts.
— Alexander Baunov (@baunov) January 5, 2022
Para alguns especialistas, o maior perigo para a Rússia é ser sugada para as disputas internas do Cazaquistão. Isso poderia levar a uma erupção nacionalista, quebrando o frágil equilíbrio étnico no país. “Há uma chance real de vermos o aumento de um sentimento anti-russo no Cazaquistão, nos moldes da Ucrânia ou da Geórgia”, disse Kortunov.
O prejuízo também pode ser doméstico, com uma queda de popularidade ainda maior do presidente Vladimir Putin, já atingido pela crise econômica e por uma insatisfação geral com reformas recentes. “Putin geralmente acredita em sua própria popularidade”, disse Tatiana Stanovaya, fundadora da R. Politik, uma empresa de consultoria política. “Mas os eventos no Cazaquistão podem fazê-lo duvidar do quão sustentável essa popularidade realmente é”.
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