A violência sexual generalizada e a violência de gênero no conflito da Etiópia têm “sido usadas como parte de uma estratégia deliberada para aterrorizar, degradar e humilhar vítimas e minorias étnicas”. Mulheres e meninas são vítimas desses crimes com “anuência do Estado e de atores não-estatais que intervêm no conflito”. Essas declarações constam de um relatório feito por relatores de direitos humanos destacados pela ONU (Organização das Nações Unidas) e publicado nesta sexta-feira (3).
Os 14 relatores, que analisaram o conflito ocorrendo atualmente nas regiões etíopes de Tigré, Amhara e Afar, no norte do país, repetiram as recomendações sobre a garantia de apoio total e reparação às vítimas e pedem que os responsáveis sejam levados à Justiça. As sugestões foram feitas na investigação da Comissão Etíope de Direitos Humanos e do Alto Comissariado para os Direitos Humanos da ONU.
Diz o documento que a violência sexual generalizada e a violência de gênero contra mulheres e meninas “são dos mais flagrantes abusos dos direitos humanos e do direito humanitário”. E destaca, ainda, que a brutalidade desses atos “tem impactos físicos e psicológicos arrasadores nas vítimas, acentuado pela falta de acesso à assistência, ao apoio e à indenização para os sobreviventes”.
As estimativas sobre a prevalência da violência de gênero são chocantes, de acordo com o grupo. Entre fevereiro e abril, as unidades locais de saúde registraram mais de mil casos. Já em julho foram notificados 2.204 episódios em Tigré. Os atos de violência são atribuídos a membros das forças de segurança da Etiópia e da Eritreia, aos rebeldes de Tigré e de Amhara e às milícias fano.
Num dos centros de atendimento, mais de 90% dos casos eram de menores de idade, e as visitas quadruplicaram desde o início do conflito, há um ano. E os dados reais podem ser muito maiores, segundo o comunicado. Os crimes acontecem tanto em áreas rurais como urbanas, nas casas onde vivem ou em locais onde se encontrem.
Relatos dão conta de que os estupros ocorrem devido à percepção ou à confirmação da filiação política das vítimas, para “pressioná-las a revelar o paradeiro de seus parentes do sexo masculino ou como atos de vingança”.
Por que isso importa?
A região de Tigré, no extremo norte da Etiópia, está imersa em conflitos desde novembro, quando disputas eleitorais levaram Addis Abeba a determinar a tomada das instituições locais. A disputa opõe a TPLF (Frente de Libertação do Povo Tigré), partido político com um braço armado, às forças de segurança nacionais da Etiópia.
Os militares chegaram a reconquistar Tigré, mas os rebeldes viraram o jogo e começaram a ganhar território. No final de junho, eles anunciaram um processo de “limpeza” para retomar integralmente o controle da região e assumiram o comando de Mekelle, a capital regional.
Pouco após a derrota do exército, o governo da Etiópia decretou um cessar-fogo e deixou Tigré. Os soldados do exército aliada Eritreia também deixaram de ser vistos por lá. Posteriormente, com o avanço dos rebeldes e a conquista das regiões vizinhas de Afar e Amhara, o exército foi enviado novamente para apoiar as tropas locais.
Durante o conflito, a TPLF se aliou ao OLA (Exército de Libertação Oromo, da sigla em inglês), que no ano passado se desvinculou do partido político homônimo e passou a defender de maneira independente a etnia Oromo, a maior da Etiópia.
A coalizão passou superar o exército nos confrontos armados e atualmente ruma para a capital. A chegada a Adis Abeba pode representar a vitória derradeira dos rebeldes, o que levou o governo a convocar a população para pegar em armas em defesa da soberania nacional.
Conteúdo adaptado do material publicado originalmente pela ONU News
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