Na semana passada, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos adicionou os nomes de três estrangeiros que vivem no Brasil à lista de Terroristas Globais Especialmente Designados, por suposta associação com a Al-Qaeda. Para o tenente-coronel do Exército Brasileiro André Soares, ex-agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o anúncio causa “preocupação enorme”, vez que confirma a presença do país no mapa das organizações terroristas islâmicas. Um problema consideravelmente mais grave devido à “ineficiência do combate ao terrorismo internacional no país”, nas palavras do militar.
“A possibilidade de atentados terroristas em solo brasileiro, perpetrados não apenas por grupos extremistas islâmicos, mas também pelo terrorismo internacional, é real”, diz Soares, mestre em operações militares e autor do livro “Ex-Agente Abre a Caixa-Preta da Abin” (editora Escrituras), que conversou com a reportagem de A Referência.
Segundo o ex-agente, o problema do combate ao terrorismo no Brasil são justamente as deficiências do serviço de inteligência. Um problema que vai na contramão da eficiência da Polícia Federal (PF), segundo ele “a única ilha de excelência nesta conjuntura caótica de contraterrorismo no Brasil”.
A inteligência, que Soares conhece bem, está no polo oposto ao da PF. “A verdade trágica para a segurança nacional é que o Brasil não está preparado para combater efetivamente o terrorismo internacional”, diz. “O Estado e a sociedade brasileira estão completamente vulneráveis a atentados terroristas internacionais e inclusive domésticos, exatamente em razão da total disfuncionalidade e do colapso da atual estrutura de Inteligência de Estado vigente no país”.
A presença do Brasil na lista do Tesouro norte-americano é, de acordo com o tenente-coronel, o modelo clássico da atuação das organizações terroristas no país. Em vez de ataques empreendidos em solo brasileiro, as deficiências do contraterrorismo nacional permitem que aqui sejam estabelecidas células de suporte às organizações jihadistas. “O Brasil se tornou o paraíso do terrorismo internacional”, afirma Soares.
As alegações do militar vão ao encontro dos dados da FATF (Força-Tarefa de Ação Financeira, na sigla em inglês), órgão intergovernamental que analisa o combate ao financiamento do terrorismo e à lavagem de dinheiro. Um relatório publicado pela entidade em 2010 identificou deficiências na mitigação do problema pelo Brasil e sugeriu mudanças estruturais para solucionar a questão. Seis anos depois, em 2016, o órgão voltou a manifestar “profundas preocupações sobre a contínua falha do Brasil em remediar as graves deficiências (…) relacionadas ao terrorismo e ao financiamento do terrorismo“.
Para Soares, são justamente essas condições favoráveis à manutenção de células terroristas que acabam por impedir atentados por aqui. “As organizações terroristas internacionais evitarão ao máximo atentados em nosso país, não comprometendo a tranquilidade e segurança que desfrutam em solo brasileiro. Significa que a não ocorrência desses atentados no Brasil se deve exclusivamente à falta de motivação do terrorismo internacional. Caso contrário, a probabilidade de ocorrência seria de 100%”.
Jihadistas no Brasil
Um dos episódios mais famosos de terrorismo internacional no Brasil ocorreu, em 2016, duas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos no Rio. Na ocasião, a PF foi informada pela inteligência dos EUA da presença de jihadistas islâmicos que planejavam atentados semelhantes aos dos Jogos de Munique em 1972, quando atletas de Israel foram sequestrados e mortos. Dez suspeitos de serem aliados ao Estado Islâmico (EI) foram presos e dois fugiram. O grupo ainda incentivava ataques de lobos solitários contra atletas de Reino Unido, Estados Unidos e França, sugerindo o uso de venenos ou explosivos ligados a drones, conforme noticiou o jornal britânico Daily Mail.
Dois anos depois, a PF prendeu em Foz do Iguaçu (PR) o libanês Assad Ahmad Barakat, suspeito de financiar grupos terroristas. E, bem antes disso, em 2001, uma investigação da revista VEJA mostrou que 20 membros terroristas de Al-Qaeda, Hamas e Hezbollah viviam no país, disseminando propaganda terrorista, coletando dinheiro, recrutando novos membros e planejando atos violentos.
Por que isso importa?
Ações antiterrorismo globais têm enfraquecido os dois principais grupos terroristas do mundo, o EI e a Al-Qaeda. Já a pandemia de Covid-19 fez cair o número de ataques em regiões sem conflito, devido a fatores como a redução do número de pessoas em áreas públicas. Na tentativa de manter a relevância, as organizações jihadistas têm investido em zonas de conflito, como o continente africano, e isso pode causar um impacto a curto prazo na segurança global, conforme as regras de restrição à circulação são afrouxadas.
O EI, em particular, se enfraqueceu militar e financeiramente, vitimado pela má gestão de fundos por parte de seus líderes e sufocado pelas sanções econômicas internacionais. Porém, a organização ganhou sobrevida graças ao poder de recrutar seguidores online. Atualmente, as ações do EI são empreendidas quase sempre por atores solitários ou pequenos grupos que foram radicalizados e incitados através da internet.
Em 2017, o exército iraquiano anunciou ter derrotado a organização no país, com a retomada de todos os territórios que o EI dominava desde 2014. O grupo, que chegou a controlar um terço do Iraque, hoje mantém apenas células adormecidas que lançam ataques esporádicos. Já as Forças Democráticas Sírias (FDS), apoiadas pelos EUA, anunciaram em 2019 o fim do “califado” criado pelos extremistas no país.
Assim, o principal reduto tanto do EI quanto da Al-Qaeda tornou-se o continente africano, onde conseguem se manter relevante graças à ação de grupos afiliados regionais, como Al-Shabaab, ISWAP, EIGS e Boko Haram. A expansão em muitas regiões da África é alarmante e pode marcar a retomada de força global dessas duas organizações, algo que em determinado momento tende refletir em regiões sem conflito, como Europa e Estados Unidos, alvos preferenciais de ataques terroristas.
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