Um grupo de nove boxeadores da equipe nacional do Afeganistão está na Sérvia e se recusa a retornar a seu país natal por medo do Taleban. Os atletas viajaram para disputar o Campeonato Mundial de Boxe e, mesmo com os vistos vencidos, não querem deixar a Europa, segundo a Radio Free Europe.
“A situação atual no Afeganistão está completamente confusa. Estamos testemunhando atentados suicidas, explosões e assassinatos seletivos todos os dias lá”, disse o boxeador Silab Nouri, que junto de seus colegas de equipe aguarda a concessão de visto humanitário ou asilo por algum país europeu.
Segundo o boxeador, além do medo da repressão, eles entendem que suas carreiras, seja no esporte ou em outra área, será irremediavelmente prejudicada no Afeganistão. “Não podemos progredir em termos de esporte ou educação lá”, afirmou. “Estamos esperando na Sérvia até que possamos mudar para um país onde nossa futura atividade atlética e nossa educação sejam garantidas”.
Hasibullah Malikzada faz coro com o colega de equipe. “Depois que o Talibã chegou, não podíamos continuar lutando boxe”, disse o campeão nacional amador do peso leve, que diz temer pela vida caso volte ao Afeganistão. “Esperamos receber vistos de países europeus para o bem do nosso esporte e de nossas vidas. Se o Taleban nos encontrar, nos matará. Só quero ser campeão. Eu realmente quero isso, é meu sonho”.
Malikzada explica que, mesmo que ele consiga o asilo, seus familiares estarão ameaçados, vez que alguns deles tinham relação com o antigo governo afegão deposto pelos talibãs. E conta que o irmão se juntou à resistência do Vale do Panjshir, a norte de Cabul, uma milícia armada formada por ex-soldados e outros combatentes que se uniram para enfrentar o Taleban.
Waheedullah Hameedi, secretário-geral da Federação de Boxe do Afeganistão (ABF, da sigla em inglês), conta ter recebido inúmeros conselhos para não retornar. E a própria história dele vale como alerta, vez que o pai, antigo gestor da federação e de quem herdou o posto, foi morto pelo Taleban em 2019 por recrutar mulheres para o esporte. Agora, Hameedi gasta seu tempo em contato com outros países a fim de encontrar um disposto a receber os boxeadores.
Contrariando o temor dos atletas, e mesmo as ações violentas do grupo desde que assumiu o poder, o Taleban diz que os atletas não correm perigo caso retornem ao país. A garantia partiu de Dad Mohammad Nawak, o principal oficial de informação do Taleban no Comitê Olímpico Afegão (ANOC). Segundo ele, o grupo radical já “provou ser um forte apoiador do esporte”, e a segurança dos atletas estará garantida em solo afegão.
Por que isso importa?
Centenas de atletas e gestores de entidades desportivas afegãs fugiram do país desde o dia 15 de agosto, quando o Taleban derrubou o antigo governo e assumiu o poder. Os radicais chegaram a afirmar que não proibiriam nenhuma modalidade, desde que essas obedecessem à sua interpretação da lei islâmica. Mas não há uma regulamentação oficial, e os atletas que têm chance optam por fugir.
O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, chegou a pedir ajuda aos países afiliados para a evacuação de mais de 700 atletas que permanecem no Afeganistão. “Ainda há muitos membros da Comunidade Olímpica no Afeganistão que estão em risco”, disse ele.
“Mas, para isso, precisamos do apoio do maior número possível de governos e comitês olímpicos nacionais”, afirmou Bach. “Em muitos casos, só podemos retirá-los (os atletas) se pudermos dar a garantia de que são bem-vindos com vistos humanitários nos países”.
Entre as modalidades atingidas pela repressão está uma das mais populares do país, o taekwondo. Foi desse esporte que saíram as duas únicas medalhas olímpicas do Afeganistão em sua história, dois bronzes conquistados por Rohullah Nikpai, em Beijing 2008 e Londres 2012. As conquistas popularizaram o esporte inclusive entre as mulheres, mas o governo talibã as proibiu de treinar.
“Todas na seleção nacional de taekwondo sonhavam que um dia chegariam aos Jogos e hasteariam a nossa bandeira em outros países, em competições internacionais. Mas agora somos todas forçadas a ficar em casa, e ficamos mais deprimidas a cada dia”, disse em setembro Zarghunna Noori, cujo sonho é defender a bandeira afegã nos Jogos Olímpicos.
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