Após as políticas de limpeza étnica da minoria rohingya acentuadas a partir de 2017 e o golpe de Estado do último dia 1, Mianmar aprofundou seu isolamento com o Ocidente e terá aumentar sua dependência da China para garantir fluxos adequados de capital que financiem sua economia.
A relação com a China, maior parceiro de Mianmar, é considerada estratégica pelo governo birmanês. De Beijing vem, além de investimento, proteção diplomática para o Tatmadaw, as forças armadas nacionais que na prática controlam o país.
O motivo é a abordagem histórica de não-interferência em questões externas, desempenhada pelos chineses. Isso não significa que os vizinhos estejam satisfeitos com o golpe birmanês, analisa a revista “The Diplomat“, especializada na cobertura de Ásia-Pacífico.
Foi essa a mensagem do porta-voz da chancelaria chinesa, Wang Wenbin. “O golpe é assunto de Mianmar, e a China está pronta para tratar com quem comandar o país de forma amigável”, afirmou em coletiva.
Yun Sun, diretor do programa de Ásia do Stimson Center, em Washington, nos EUA, afirmou à revista que “se Beijing tivesse escolha, acho que prefeririam o NLD [partido de Suu Kyi] aos militares. Mas eles não têm escolha, então lidam com o que vier”.
Cooperação na prática
Sobra desconfiança entre as partes: o sentimento antichinês não é incomum mesmo entre a população. Já Beijing vê com reservas a conduta do regime birmanês a despeito de irrigar o país com recursos da Iniciativa do Cinturão da Rota da Seda, megapacote da China de investimentos no exterior.
Há, por exemplo, um corredor econômico em construção entre China e Mianmar, que ligaria a província chinesa de Yunnan ao Oceano Índico, no estado de Rakhine – epicentro do conflito entre o governo e a minoria rohingya, de religião muçulmana.
Esse corredor sino-birmanês passa por Mandalay, segunda maior cidade do país e à beira do rio Irrawaddy, que corta o território. Boa parte dessa estrutura fica em regiões de conflitos étnicos ativos, observou análise do International Crisis Group.
Há pouca consulta às populações que vivem nessas regiões, o que potencializa a chance de que grupos armados nos estados de Rakhine e Shan reivindiquem a saída desses investidores.
Outros desafios são a falta de transparência por parte dos governos dos dois países na implementação desses projetos de infraestrutura, agricultura, construção civil e comércio, por exemplo.
Para os analistas do think tank, será fundamental que a China opere de forma mais estratégica, evitando por lenha na fogueira dos diversos conflitos étnicos em todo o território birmanês.
Um exemplo de interação que deu errado foi a construção da barragem de Myitsone, com recursos chineses. A iniciativa foi encerrada em 2011 após protestos da população, que desaprovava a pressão chinesa para tirar o projeto do papel.
Para alcançar o objetivo, o governo birmanês deve investir em mecanismos que aprimorem a negociação com os chineses e na regulação de projetos com recursos do exterior no país.
Mianmar teve sucesso em negociações como a do porto de Kyaukpyu, que incluía uma “zona econômica especial” adjacente. O projeto final perdeu dimensão por exigência do comando birmanês, interessado em manter sob controle a dívida com os chineses, e também exigiu construção em fases e estudos de impacto social e ambiental.
Para o think tank, os birmaneses podem ter benefícios se forem capazes de aproveitar o know how chinês e o mercado trilionário do país para suas exportações.
Porém, o histórico conturbado das relações bilaterais sugere que uma incorporação mais evidente de Mianmar à esfera de influência chinesa deve ser um processo onde surgirão novos conflitos, inclusive domésticos.
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