Dentro de salas de aula monitoradas por câmeras de segurança, milhares de estudantes universitários de Hong Kong participaram em outubro das aulas inaugurais que abordam a lei de segurança nacional da China. A disciplina, que tornou-se obrigatória no território semiautônomo, expõe como conteúdo temas como “os perigos de infringir a lei”, segundo a agência Reuters.
De acordo com a reportagem, que teve acesso aos tópicos trabalhados, os alunos aprendem, por exemplo, como uma simples mensagem compartilhada em um grupo de bate-papo pode ser interpretada como uma violação grave à legislação e resultar em prisão perpétua.
Críticos do sistema enxergam os cursos como uma afronta à liberdade acadêmica, um mal-estar agora entranhado no sistema educacional universitário de Hong Kong, que segue uma linha de ensino ocidental. Segundo relatos de dois estudantes da Universidade Batista, havia pelo menos uma câmera CCTV (circuito fechado de televisão) dentro da sala, além da presença de um fotógrafo, que registrou a aula.
“Em princípio, fazer exigências em classes específicas é uma violação muito séria da liberdade acadêmica”, disse Katrin Kinzelbach, cientista política da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha, e pesquisadora do tema. “Liberdade acadêmica significa que você pode estudar e ensinar aquilo em que está interessado. Também significa liberdade de não se envolver em aulas específicas”, acrescentou.
Beijing pôs em vigor a lei de segurança nacional em junho do ano passado, normativa que classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar os acusados a passar o resto da vida na cadeia.
A legislação ainda estipula que a segurança nacional deve ser matéria obrigatória em escolas e universidades. O secretário de Educação de Hong Kong, Kevin Yeung, declarou no início deste ano que era um “requisito” para universidades incorporarem a educação de segurança nacional em seus currículos.
A medida pode ser vista como o mais recente movimento do governo pró-Beijing de Hong Kong, parte da represália aos gigantescos protestos pela democracia realizados em 2019. As autoridades chinesas responsabilizaram as universidades por insuflar e até liderar os atos, sendo que, entre as 10 mil pessoas presas, 4 mil eram estudantes, estima a polícia.
Patriotismo na grade curricular
As aulas abordam todos os 66 artigos da lei de segurança nacional, trazendo detalhes de como podem ser violados. Paralelamente, a novidade na grade curricular busca aflorar sentimentos nacionalistas nos alunos, enfatizando a necessidade de maior patriotismo e identidade chinesa, de acordo com análise de materiais do curso de duas universidades de Hong Kong vistos pela reportagem e com base em entrevistas realizadas com cinco alunos.
Os cursos também trabalham a história de Hong Kong e da China, destacando com o país foi subjugado por potências estrangeiras no passado e citando a existência de leis de segurança nacional mesmo em países democráticos como Estados Unidos e Grã-Bretanha.
A reação dos alunos ao novo curso na Universidade Batista trafegou entre o medo e o consentimento. “Se você vai fazer algo, você o fará”, disse uma aluna que identificou-se como Lulu. “É inútil. Não vou me tornar patriota depois de uma conversa de duas horas”.
Já um jovem que se identificou como Leo, de 18 anos, aprovou o curso, argumentando que o Ocidente “influenciou os pensamentos dos estudantes em Hong Kong, que não tinham consciência da segurança nacional”.
Por que isso importa?
Após a transferência de Hong Kong do domínio britânico para o chinês, em 1997, o território passou a operar sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Ainda assim, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa a favor da independência, em 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio através da lei de segurança nacional, que deu ao governo poder de reprimir a oposição. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.
No final de julho de 2021, um ano após a implementação da legislação, foi anunciado o primeiro veredito de uma ação judicial baseada na nova normativa. Tong Ying-kit, um garçom de 24 anos, foi condenado a nove anos de prisão sob as acusações de praticar terrorismo e incitar a secessão.
O incidente que levou à condenação ocorreu em 1º de julho de 2020, o primeiro dia em que a lei vigorou. Tong dirigia uma motocicleta com uma bandeira preta na qual se lia “Liberte Hong Kong. Revolução dos Nossos Tempos”, slogan usado pelos ativistas antigoverno nas manifestações de 2019.
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