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domingo, 14 de maio de 2023

Estudo mostra como a China explora o trabalho forçado na indústria de algodão em Xinjiang

O antropólogo alemão Adrian Zenz, conhecido por ter publicado diversos relatórios e artigos importantes sobre a situação dos uigures na Região Autônoma de Xinjiang, na China, apresentou um novo estudo na terça-feira (9) sobre o trabalho forçado da minoria étnica muçulmana pelas mãos do Estado. As informações são da rede Radio Free Asia.

O documento, intitulado ‘Trabalho coercitivo na colheita de algodão na região autônoma de Xinjiang Uigur e no Uzbequistão: uma análise conceitual comparativa do trabalho forçado patrocinado pelo Estado’, disseca a evolução dos sistemas de trabalho forçado patrocinado pelos governos chinês e uzbeque, e expõe uma visão interna de sua natureza brutal, escala e motivações.  

Construído a partir de registros internos do Estado chinês, o relatório revela como a mão de obra uigur em Xinjiang se tornou coercitiva a partir de 2019. Ele detalha como regiões da província compilaram listas de indivíduos classificados como “preguiçosos”, “bêbados” e “outras pessoas com motivação interior insuficiente para o trabalho”. A identificação servia para que elas fossem posteriormente submetidas a programas de “educação de pensamento”.

Chinês trabalha em um campo de algodão na cidade de Shihezi, na província de Xinjiang (Foto: gov.cn/Divulgação)

Esse grupo de pessoas era então inserido em ações de “alívio da pobreza” patrocinadas pelo Estado, nas quais colhiam algodão na província de Xinjiang. Os registros mostram que mesmo idosos com 77 anos foram enviados para o trabalho.

Se o programa não atingisse resultados esperados, medidas coercitivas deveriam ser tomadas, segundo mostrou um documento de julho de 2019 emitido pelo Grupo de Trabalho para Alívio da Pobreza no condado de Yarkand.

Os documentos também demonstram que os modelos históricos, como o usado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), muitas vezes falham quando usados ​​para avaliar o trabalho coercitivo patrocinado pelo Estado em áreas como Xinjiang, porque eles consideram apenas a exploração comercial e não política, disse o relatório.

Em outras palavras, o estudo acusa Beijing de não estar procurando principalmente mão de obra barata quando suas autoridades locais em Xinjiang organizam os uigures para trabalhar. Em vez disso, se trata de uma campanha política de cima para baixo para fazer com que essa minoria étnica, presumida coletivamente pelo Estado como potenciais separatistas e terroristas, se submeta aos tentáculos do Partido Comunista Chinês.

“O trabalho forçado patrocinado pelo Estado é uma abordagem que envolve todo o governo e toda a sociedade, afetando toda uma região, e não apenas bolhas isoladas de trabalho forçado que são detectados aqui e ali. Ele cria um risco sistêmico regional completo, um risco social”, disse Zenz, que é reconhecido internacionalmente como um importante estudioso das políticas repressivas de Beijing.

Zenz acrescentou que a China vinculou o trabalho forçado ao combate ao terrorismo.

“Ao elevar o alívio da pobreza a uma tarefa política, em vez de puramente econômica, Beijing conseguiu vincular o trabalho forçado à erradicação do terrorismo”, disse Zenz, que acrescentou: “Você os tira da terra onde eles podem ser livres para fazer suas próprias coisas e podem ter uma temporada ociosa, então eles podem escolher trabalhar ou não trabalhar”. 

Boicote

Em 2021, a organização Better Cotton Initiative pediu o fim da aquisição de matéria-prima de Xinjiang, onde se produz 90% do algodão chinês. A associação afirma que o algodão da província resulta do trabalho forçado dos campos de detenção à população muçulmana uigur. Beijing confirma a existência das estruturas, mas insiste que servem para “ressocialização e educação”.

Diante dessa situação, a China esconde a procedência para evitar boicote ao algodão de Xinjiang. Também em 2021, uma pesquisa da Universidade Sheffield Hallam, na Inglaterra, afirmou que mais de cem empresas em todo o mundo vendem, sem saber, roupas produzidas com algodão da província chinesa. O material é rejeitado por inúmeras empresas devido às suspeitas de uso de trabalho forçado na região.

Segundo o documento, 52% do algodão, dos fios e tecidos exportados pela China são enviados para 53 fabricantes intermediários em Bangladesh, Sri Lanka, Vietnã, Filipinas, Hong Kong, Indonésia, Camboja, Índia, Paquistão, Quênia, Etiópia e México. É nesses países que as roupas são finalizadas e fornecidas a 103 marcas globais conhecidas. O que leva muitas delas a comprar produtos sancionados sem saber.

Por que isso importa?

A comunidade uigur é uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas.

Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses. Denúncias dão conta de que Beijing usa de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang.

Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minoria étnica já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014.

O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.

A China nega as acusações de que comete abusos em Xinjiang e diz que as ações do governo na região têm como finalidade a educação contraterrorismo, a fim de conter movimentos separatistas e combater grupos extremistas religiosos que eventualmente venham a planejar ataques terroristas no país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Zhao Lijian afirma que o trabalho forçado uigur é “a maior mentira do século”. “Os Estados Unidos tanto criam mentiras quanto tomam ações flagrantes com base em suas mentiras para violar as regras do comércio internacional e os princípios da economia de mercado”, disse ele.

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