Durante a cúpula anual do G-20, realizada em Roma entre os dias 30 e 31 de outubro, um debate paralelo teve a China como protagonista. Legisladores de 14 países, unidos a exilados políticos de Hong Kong, do Tibete e da região chinesa de Xinjiang, tentaram chamar a atenção dos líderes das 20 maiores economias o mundo para os abusos dos direitos humanos praticados por Beijing. As informações são do jornal South China Morning Post.
O evento foi coordenado pelo grupo autointitulado Aliança Interparlamentar na China (IPAC, na sigla em inglês) e teve patrocínio parcial da ONG Fundação pela Democracia em Taiwan, que por sua vez tem ligação com o governo oficial da ilha autogovernada que a China considera parte de seu território. A IPAC se diz um “grupo multipartidário internacional de legisladores que trabalham em prol da reforma de como os países democráticos abordam a China”.
“O único assunto que eles não parecem discutir no G-20 é realmente o elefante na sala, que é o que vamos fazer daqui para frente sobre o terrível mau comportamento de provavelmente uma das nações mais importantes de todas, que é a China”, disse Iain Duncan Smith, um ex-líder do Partido Conservador britânico e agora membro da IPAC. “Então, estamos aqui para lembrar aos nossos líderes que, sobre o assunto que eles não querem falar, nós vamos falar, porque é vital para os direitos humanos, para a economia e para as mudanças climáticas”.
Quem também participou do encontro, realizado a poucos metros da cúpula do G-20, foi o ministro das Relações Exteriores de Taiwan, Joseph Wu, que no mesmo período fez uma visita à Europa numa tentativa de ganhar apoio da União Europeia (UE) no combate ao autoritarismo chinês e à causa taiwanesa pela soberania.
Quando falou à IPAC, Wu sugeriu que os tentáculos do autoritarismo chinês atingem inclusive as nações estrangeiras, não apenas quem Beijing julga ter sob seu guarda-chuva governamental. Este é o caso da ilha autogovernada, que luta para ser reconhecida globalmente como nação autônoma e por isso sofre constantes ameaças vindas da China, que não descarta uma invasão militar.
“Taiwan não está sozinha. Mesmo democracias como a Lituânia e a República Tcheca não estão livres do comportamento da República Popular da China ”, disse Wu, citando dois dos países que ele visitou na Europa.
Risco de extradição
Fundada há cerca de um ano, a IPAC tem entre seus financiadores o bilionário George Soros, além da ONG norte-americana National Endowment for Democracy (Doação Nacional pela Democracia, em tradução literal). Durante o evento em Roma, a aliança exibiu 37 cartões com imagens de dissidentes que correm o risco de deportação para a China.
O grupo alertou que as nações que executarem “prisão, deportação ou extradição destes indivíduos” serão “responsabilizadas nas respectivas legislaturas” da rede IPAC. Entre os dissidentes retratados na primeira leva de cartões está o advogado Nathan Law, que foi forçado a deixar Hong Kong após a promulgação da lei de segurança nacional e hoje vive exilado no Reino Unido. A meta é emitir três mil cartões até o final do ano.
Por que isso importa?
As acusações de abusos dos direitos humanos direcionadas a Beijing têm como foco sobretudo a situação da etnia uigur, uma minoria muçulmana de raízes turcas que habita a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China. A província faz fronteira com países da Ásia Central, com quem divide raízes étnicas e linguísticas. Os uigures, cerca de 11 milhões, enfrentam discriminação da sociedade e do governo chinês e são vistos com desconfiança pela maioria han, que responde por 92% dos chineses.
Denúncias apontam uso de tortura, esterilização forçada, trabalho obrigatório e maus tratos para realizar uma limpeza étnica e religiosa em Xinjiang. Estimativas apontam que um em cada 20 uigures ou cidadãos de minorias étnicas já passou por campos de detenção de forma arbitrária desde 2014. Beijing admite a existência de tais campos, que abrigam mais de um milhão de pessoas, mas alega que eles servem para educação contraterrorismo.
O governo de Joe Biden, nos EUA, foi o primeiro a usar o termo “genocídio” para descrever as ações da China em relação aos uigures. Em seguida, Reino Unido e Canadá também passaram a usar a designação, e mais recentemente a Lituânia se juntou ao grupo.
A questão também atinge a relação entre Beijing e o Tibete, ocupado pela China em 1950, quando tropas do ELP (Exército de Libertação Popular) invadiram a região em um episódio que se convencionou chamar de “libertação pacífica” pelos chineses. Na ocasião, a artilharia esmagou a resistência tibetana, executou os guardas do líder espiritual Dalai Lama e destruiu mosteiros de Lhasa. Diante do cenário de destruição, o 14º Dalai Lama Tenzin Gyatso fugiu para a Índia.
Atualmente, Beijing classifica Gyatso como um “separatista perigoso”, e no lugar dele, foi reconhecido o atual Panchen Lama, instituído pelo partido como a mais alta figura religiosa do Tibete. Os líderes ateus do Partido Comunista Chinês (PCC) também não medem esforços para cultivar a lealdade entre os tibetanos, muitos dos quais são budistas devotos e tradicionalmente veem o Dalai Lama como seu líder espiritual.
Há, ainda, os casos de repressão política em Hong Kong, território transferido do domínio britânico para o chinês em 1997 e que opera sob um sistema mais autônomo e diferente do restante da China. Ainda assim, a submissão a Beijing sempre foi muito forte, o que levou a protestos em massa a favor da independência, em 2019.
A resposta de Beijing aos protestos veio através da lei de segurança nacional, que deu ao governo poder de reprimir a oposição e que gera acusações de abusos aos direitos humanos. A normativa legal classifica e criminaliza qualquer tentativa de “intervir” nos assuntos locais como “subversão, secessão, terrorismo e conluio”. Infrações graves podem levar à prisão perpétua.
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