Desde o Taleban que assumiu o poder no Afeganistão, no dia 15 de agosto, o tratamento opressivo dedicado às mulheres tem sido o principal motivo de críticas por parte do Ocidente. Ainda assim, nos encontros diplomáticos dos novos governantes afegãos com representantes de nações e de organismos internacionais, apenas homens têm sido enviados, atendendo a uma reivindicação dos próprios talibãs. As informações são da Radio Free Europe.
“É chocante que em 2021, após décadas de trabalho para evidenciar a necessidade de as mulheres serem participantes plenas em todos os processos de paz, países, agências da ONU e grupos de ajuda enviem delegações exclusivamente masculinas para se reunirem com o Taleban”, disse Heather Barr, diretora associada da divisão de direitos das mulheres da ONG Human Rights Watch (HRW).
Por exigência do Taleban, mulheres sequer podem ser fotografadas na presença de representantes do grupo, uma condição aceita por União Europeia (UE), Grã-Bretanha, Turquia, Rússia, China, Paquistão e, mais recentemente, Holanda e Alemanha. As mulheres também estiveram ausentes das negociações com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a Cruz Vermelha e a ONG Médicos sem Fronteiras.
Barr tem catalogado os episódios em seu perfil no Twitter, usando a #sausageparty (festa da salsicha, em tradução literal), com o objetivo de enfatizar a importância da participação das mulheres nas discussões com os novos governantes do Afeganistão. “É hora de começar uma discussão sobre homens estrangeiros se reunindo com o Taleban – sem mulheres. Não esteja nesta lista”, diz ela e um dos posts.
Sigh. Time to start a thread of foreign men meeting with the Taliban–without women. Don’t be on this list. #sausageparty https://t.co/W6C4LXrYMI
— Heather Barr (@heatherbarr1) October 6, 2021
A ex-diplomata afegã Asila Wardak, diz ter levantado a questão em uma visita à ONU (Organização das Nações Unidas) da qual participou. “Dissemos a eles que, ao não incluírem mulheres em suas delegações, sinalizavam ao Taleban que estão obedecendo às regras sobre a exclusão de mulheres”, disse ela. “Enquanto as mulheres não conseguirem se envolver diretamente com o Taleban, elas serão deixadas para trás”.
Na visão de Maryam Baryalay, chefe de uma organização de pesquisa que tinha sede em Cabul, os governos que aceitam as imposições restritivas dos talibãs inadvertidamente contribuem para minar os direitos das mulheres no Afeganistão. “Aceitar a ideia do Taleban de negociações políticas sem mulheres é grotesco e errado”, disse ela.
Deborah Lyons, a representante especial da ONU para o Afeganistão, é a mulher mais proeminente a se envolver regularmente com os líderes do Taleban. No dia 17 de novembro, ela falou ao Conselho de Segurança que “houve uma restrição geral dos direitos e liberdades fundamentais das mulheres e meninas afegãs”, contrariando a promessa do Taleban de proteção dos direitos das mulheres dentro da lei islâmica.
Por que isso importa?
A repressão de gênero é uma das principais marcas desse início de governo talibã e se espalha por diversas setores da sociedade. As mulheres que tinham cargos no governo afegão antes da ascensão talibã seguem impedidas de trabalhar, e a cúpula do governo que prometia ser inclusiva é formada somente por homens. A perda do salário por parte de muitas mulheres que sustentavam suas casas tem contribuído para o empobrecimento da população afegã.
Na educação, o governo extremista tem postergado uma tomada de decisão, o que mantém fora da escola as meninas acima dos sete anos de idade em diversas regiões do país. Algumas poucas províncias do país, entre as 34 existentes, permitiram a volta das meninas à escola. Assim, muitas meninas têm recorrido a uma instituição que ministra aulas online, a fim de não perderem o ano letivo ou interromperem os estudos.
Mulheres também não podem sair de casa desacompanhadas, e há relatos de solteiras e viúvas forçadas a se casar com combatentes. Para lembrar as afegãs de suas obrigações, os militantes ergueram cartazes em algumas áreas para informar os moradores sobre as regras. Em partes do país, as lojas estão proibidas de vender mercadorias a mulheres desacompanhadas.
Há também um código de vestimenta para as mulheres, forçadas a usar o hijab quando estão em público. Como forma de protestar, mulheres afegãs em todo o mundo iniciaram um movimento online, postando fotos nas redes sociais com tradicionais roupas afegãs coloridas, sempre acompanhadas de hashtags como #AfghanistanCulture (cultura afegã) e #DoNotTouchMyClothes (não toque nas minhas roupas).
A proibição do esporte feminino é outra realidade sob o governo talibã. Embora o grupo extremista não tenha emitido uma nota oficial sobre o veto, ele se faz presente na rotina das atletas afegãs. Depois do críquete feminino, cuja proibição foi anunciada pelo vice-líder da comissão cultural do Taleban, Ahmadullah Wasiq, a repressão atingiu outra modalidade muito popular no país: o taekwondo.
O Afeganistão tem apenas duas medalhas olímpicas em sua história: dois bronzes conquistados pelo atleta do taekwondo Rohullah Nikpai em Beijing 2008 e Londres 2012. As conquistas de Nikpai no masculino popularizaram o esporte no país, inclusive entre as mulheres. Porém, agora que o Taleban assumiu o poder, a prática tem se restringido aos homens, e as escolas que ofereciam aulas de taekwondo para mulheres fecharam as portas.
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